quarta-feira, 14 de outubro de 2015

É Seu Direito! - I




A incapacidade mental da vítima a 
impede de sofrer danos morais?



            Após o reconhecimento da pessoa humana como o centro dos direitos juridicamente reconhecidos, meados do século XX, o ordenamento jurídico brasileiro afastou o patrimonialismo como cerne do Direito e o substituiu pelo princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República (art. III, da Constituição Federal –CF/88). Diante disso, o ser humano, hodiernamente, é reconhecido como a finalidade primeira do ordenamento jurídico brasileiro.

                 Ante essa realidade, certo que o homem (como sinônimo de ser humano) é o que justifica o próprio Estado Democrático de Direito e, assim, não pode ser instrumentalizado, visto como coisa, posto ser o fundamento primeiro de seus conteúdos. Assim, sua vida privada, honra, imagem e moral devem ser preservadas e tuteladas.
                    Em relação ao dano moral, o mesmo pode ser conceituado como uma afronta a bens imateriais da pessoa natural, aos direitos da personalidade constitucionalmente garantidos, aquilo que gera dor e angústia à vítima de tal ato ilícito, sem conotação patrimonial, lesando sua honra, boa fama, intimidade e vida privada (art. X da CF/88).
Mas será que apenas quando referido dano é efetivamente sentido pelo ofendido é que ele deve ser objeto de reparação civil?
                     É sabido que a capacidade da pessoa natural é regulada pelo Código Civil e a mesma é dividida em três esferas: pessoa absolutamente incapaz, relativamente incapaz e capaz.

                 De acordo com o ordenamento jurídico vigente, dentre outras hipótese, a pessoa é absolutamente incapaz da prática dos atos da vida civil quando possui enfermidade ou deficiência mental que a impeça de, por si só, ser sujeito de direitos e obrigações, caso em que deverá ser representada, nos termos do Código Civil:

              Art. 3º.  São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
(…)
         II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
(…).

              Por outro lado a capacidade relativa ocorre quando a pessoa pode exercer certos atos da vida civil, sempre assistida por uma pessoa capaz que seja naturalmente seu assistente, tal como os pais, ou adquira aquela qualidade através de decisão judicial quando da ausência dos genitores, como acontece com os menores de dezoito e maiores de 16 anos (art. 4º  do CC.).



              E, por fim, as pessoas capazes são aquelas que possuem pelo menos 18 anos e não sofrem de qualquer deficiência mental, não sejam viciados em tóxicos, e puderem por si só exprimir sua vontade, dentre outras hipóteses previstas nos artigos  e  do CC.

               Pois bem, a princípio o dano moral é sentido pela pessoa humana em seu íntimo e é capaz de lhe causa algum prejuízo de ordem extra patrimonial. Todavia, diante desse raciocínio chega-se à conclusão de que as pessoas incapazes por deficiência mental são insuscetíveis de sentir tal dor, afinal não discernem o que a agride moralmente, sendo impossível serem vítimas de danos morais, certo? Errado!
          O dano moral antes de afrontar a pessoa humana afronta os direitos da personalidade previstos na norma ápice do Estado Democrático de Direito brasileiro, a Constituição Federal denominada Constituição Cidadã justamente por colocar o ser humano como centro de direitos.

                  De acordo com julgamento do Recurso Especial (Resp) 1245550 realizado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, nas palavras do relator Luis Felipe Salomão: “A configuração do dano moral não se verifica no aborrecimento ou no constrangimento por parte do prejudicado, mas, ao revés, o dano se caracteriza pelo ataque a direito personalíssimo, no momento em que atingido o direito”.
                No julgamento o relator enfatizou que o STJ tem julgados que reconheceram o dano moral ante a violação a direito da personalidade, mesmo no caso de pessoas com grau de discernimento baixo ou inexistente.
                Trouxe como exemplo o REsp 1.037.759, no qual se afirmou que “as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade”. Ademais, no REsp 1.291.247, foi reconhecido a um recém-nascido o direito a indenização por dano moral devido ao descumprimento contratual por parte da empresa contratada para coletar seu cordão umbilical, que teria como objetivo eventual tratamento futuro.
                    Por fim, o ministro Luis Felipe Salomão enfatizou que: “O evento danoso não se revela na dor, no padecimento, que são, na verdade, consequências do dano. O dano é fato que antecede os sentimentos de aflição e angústia experimentados pela vítima”.
          Portanto, o dano moral é garantido em razão da afronta aos direitos da personalidade, independentemente do discernimento da vítima quanto à lesão e sua extensão, haja vista que além da própria dignidade da pessoa humana, o que se tutela na condenação por dano moral é o respeito aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil e, por consequência, a dignidade do ordenamento jurídico pátrio.
Fonte: Josiane Coelho Duarte Clemente

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