Na crise, casas compartilhadas podem ser opção
Em tempos de crise econômica e imobiliária, a vontade de morar bem e pagar um preço justo ainda persiste. Como saída, o uso de casas compartilhadas vem sendo visto como opção de moradia em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro e já desperta o interesse de algumas imobiliárias...
O sistema, que é relativamente novo no Brasil, funciona assim: várias
pessoas moram juntas, sem grau de parentesco e dividem as despesas
entre elas. O objetivo é criar um convívio e ter vínculo afetivo – ao
contrário da já conhecida república.
O advogado especialista em
contratos imobiliários Alexandre Honorato afirma que esse tipo de
moradia pode ser uma saída para o mercado imobiliário, uma vez que há
grande número de estoque de casas vazias. “Existem muitas pessoas
querendo morar juntas e há diversos imóveis desocupados, ou seja, os
proprietários precisam entender que essa é uma tendência e que veio para
ficar”, afirma. A arquiteta e especialista em casas compartilhadas
Lilian Lubochinski concorda com Honorato. Ela acrescenta: “Diversas
casas abandonadas estão em regiões que não podem ter uso comercial e que
estão há anos sem nenhum morador”.
Honorato acredita que o contrato de casas compartilhadas é mais
benéfico para o proprietário do que o convencional. “Se houver algum
problema jurídico, o locador tem três ou quatro locatários para poder
cobrar, enquanto no modelo familiar ele tem apenas um.” Ele ampara o
contrato feito por residentes de uma casa compartilhada: “São várias
pessoas que cuidam da saúde financeira do imóvel”.
O presidente da carioca RC Girão Imóveis, Roberto Girão, afirma que
atualmente existe “dificuldade enorme” de alugar uma casa grande. “A
casa compartilhada vem como escapatória desse mercado estagnado. E a
principal vantagem é que o risco do proprietário não receber é bem
menor”, diz. Girão acredita que esse tipo de moradia está mexendo com o
mercado imobiliário, porque “é uma tendência e o setor precisa olhar com
atenção para ela”.
A lei de locação atual contempla a casa compartilhada como um tipo de
residência, segundo o advogado. “O proprietário tem garantias para
fazer tal contrato, é mais uma questão de ele ter medo do que uma
questão legal”, afirma Honorato.
A tarefa de convencer os proprietários a aderir à ideia não é fácil. O
fundador da Casa da Gente, Winston Petty, lembra que fez uma
apresentação de powerpoint para o dono da mansão, situada no Pacaembu,
explicando todo o conceito e o que ele e seu grupo de amigos
vegetarianos pretendiam.
“A proposta é fazer algo que liga um ao outro, que motiva ações
pessoais de cada um e a convivência e que seja um oásis de tranquilidade
e de energia”, afirma. Segundo ele, a casa de 576 m² é pioneira em
moradia compartilhada no País – existe desde dezembro de 2014.
O imóvel possui cinco dormitórios, sendo quatro suítes, mais dois
quartos na edícula, além de uma horta feita pelos moradores. Com um
aluguel de R$ 14 mil mensais, os onze moradores pagam mensalmente cerca
de R$ 1.272 cada um. Dessa forma, conseguem pagar um preço acessível e
morar em uma casa confortável em uma região bem localizada.
Além das contas, cada um tem uma tarefa na casa: fazer almoço,
consertar eletrodomésticos, organizar a despensa, comprar ingredientes
culinários, cuidar do minhocário, entre outras. A arquiteta Mariana
Brasil, de 33 anos, se mudou para lá com a intenção de morar com pessoas
diferentes e sem vínculo parental e, a partir daí, construir uma
família. Assim como ela, todos os demais residentes possuem curso
superior e a maioria trabalha em home office, como Petty, dono de uma
startup. Os moradores ainda compartilham três carros entre eles.
As coisas estão indo tão bem, que o fundador Petty está na corrida
para lançar, em meados de junho, a segunda casa compartilhada. “Tenho
vários amigos que querem viver em um ambiente como o nosso, e com essa
tamanha procura, resolvemos criar outra residência”, afirma.
O jovem empresário acredita que a forma de morar é recente no País e
que a população necessita olhar sem preconceito para esse modelo. “Nós
construímos três suítes aqui na casa porque temos uma arquiteta morando
aqui, fizemos uma horta, nós realizamos melhorias no imóvel e isso, sem
dúvida, é bom para o proprietário”, diz. “O setor imobiliário precisa se
preparar, porque ele ainda não sabe o que é, mas precisava saber”,
completa.
Proprietário. A ideia convenceu Maria do Carmo, de 60 anos. “A
iniciativa de ceder o meu imóvel para o esquema de casa compartilhada
foi devido à crise. Eu estava com dificuldades para encontrar alguém que
alugasse”, afirma.
Ela possui um apartamento de 220 m² em Copacabana, no Rio de Janeiro,
que ganhou os olhos da coach em desenvolvimento de líderes Marcia
Taliyaki, de 31 anos. Ela mora com seis pessoas no imóvel, nomeado Ninho
de Condores, que tem quatro quartos, três banheiros e dividem a sala,
cozinha e uma área. A coach acredita que a concepção partilhada não é um
tipo de moradia e, sim, um estilo de vida, mas admite que é mais barato
do que viver sozinho.
“Os imóveis disponíveis para aluguel atendem o conceito de
compartilhamento, mas a maioria dos corretores e proprietários ainda não
compreendem e interpretam equivocadamente o fim social da utilização”,
afirma Marcia. “Eu não vi nenhum problema no objetivo de vida deles. Não
estou arrependida, até porque eles cuidam do apartamento como se fosse
deles”, afirma a proprietária, que recebe R$ 4.600 mensalmente pelo
imóvel.
Para o presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis de
São Paulo (Creci-SP), José Augusto Viana Neto, a casa compartilhada é
uma evolução positiva do ponto de vista social. “Mas do ponto de vista
imobiliário, é uma modalidade de locação complicada.”
Ele afirma que é preciso definir os deveres dos residentes. “Não é
somente colocar três pessoas como locatárias, porque se uma não pagar,
as outras duas não têm dever nenhum sobre a outra”, afirma. “É preciso
ter uma separação de responsabilidade no contrato.”
Inspirada no conceito de compartilhamento, a House of All, no bairro
de Pinheiros, zona oeste paulistana, possui uma proposta diferente:
oferece apenas os serviços de uma casa, mas não moradia. São quatro
atividades: lavanderia e aluguel de roupas, espaço para trabalhar e
fazer reuniões, local para cursos e refeições na casa. Wolfgang Menke
inaugurou o empreendimento em outubro de 2013.
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Wolf Menke. Foto: Nilton Fukuda/Estadão |
Para participar de algum curso, que também é oferecido pela casa, o
cliente desembolsa R$ 350 – destes, 25% vão para a casa. Para aproveitar
os serviços de lavanderia ou usar o guarda-roupa, o gasto é de até R$
150. Já o refeitório é variável – depende do cardápio que aquele dia
oferece, “mas sempre com preço justo”, garante Menke.
Ele, porém, está trabalhando no projeto de construir um edifício para
cerca de 90 famílias. “É ambicioso”, reconhece. O prédio, segundo ele,
terá os mesmos serviços da House of All.
“Cada andar será a moradia para oito famílias, e nesse mesmo piso haverá os espaços onde serão compartilhados cozinha, lavanderia e biblioteca”, afirma. Dessa forma, será o primeiro prédio compartilhado do País, afirma o empresário. Menke, no entanto, não tem data para o lançamento.
“Cada andar será a moradia para oito famílias, e nesse mesmo piso haverá os espaços onde serão compartilhados cozinha, lavanderia e biblioteca”, afirma. Dessa forma, será o primeiro prédio compartilhado do País, afirma o empresário. Menke, no entanto, não tem data para o lançamento.
Ele diz que uma alternativa seria usar um prédio ocioso para realizar
o empreendimento. De acordo com o empresário, trata-se de uma maneira
de utilizar espaços imobiliários que estão desocupados.
Segundo Menke, o projeto também precisa fazer jus ao termo economia. “É necessário saber economizar. Por exemplo, qual a razão de haver várias lavanderias e não uma que todos utilizam?”, diz.
“É a síntese da nova geração e as pessoas vão se acostumar com o compartilhamento”, afirma Menke.
Segundo Menke, o projeto também precisa fazer jus ao termo economia. “É necessário saber economizar. Por exemplo, qual a razão de haver várias lavanderias e não uma que todos utilizam?”, diz.
“É a síntese da nova geração e as pessoas vão se acostumar com o compartilhamento”, afirma Menke.
A arquiteta Lilian Lubochinski acredita que os lares compartilhados
têm ganhado espaço no Brasil. “É uma tendência por causa do desejo da
geração, com pessoas entre 30 e 40 anos, da afetividade e do
compartilhamento. É também prova da mudança dos núcleos familiares onde
eu conheço casas compartilhadas que possuem como residentes mães
solteiras ou divorciadas e suas respectivas filhas (os).”
As casas compartilhadas no território brasileiro seguem a concepção
de cohousing, fundado na década de 1970 na Dinamarca, como sistema de
moradia que valoriza o convívio com os vizinhos e a política de
compartilhamento. As pessoas têm as suas próprias casas, mas dividem
alguns espaços para o convívio social.
Cada comunidade estabelece as regras e, geralmente, repartem a
cozinha, lavanderia e biblioteca, enquanto outros compartilham até mesmo
os carros.
O cohousing, além de ser intencional, tem o espírito de solidariedade
carregado com a ideia de uma vida cada vez mais simples. O conceito é
posto em prática por diversos países europeus e nos Estados Unidos.
“As pessoas querem mais do que rachar os custos, no conceito de casa compartilhada elas querem convivência, elas querem comunidade”, afirma a arquiteta, que também é coordenadora do Cohousing Brasil.
Fonte:Estadão
“As pessoas querem mais do que rachar os custos, no conceito de casa compartilhada elas querem convivência, elas querem comunidade”, afirma a arquiteta, que também é coordenadora do Cohousing Brasil.
Fonte:Estadão
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