AS TRÊS FASES DA DEGUSTAÇÃO DE VINHO
Esta talvez seja a mais negligenciada de todas as etapas da
degustação de vinhos.
Poucas pessoas param para apreciar a cor do vinho e para descobrir as pistas que o visual nos dá sobre a sua evolução, sua maturidade ou mesmo o seu teor de álcool.
Poucas pessoas param para apreciar a cor do vinho e para descobrir as pistas que o visual nos dá sobre a sua evolução, sua maturidade ou mesmo o seu teor de álcool.
Para bem analisar um vinho devemos estar atentos para a
intensidade de cor, a tonalidade, a limpidez, a transparência e as
lágrimas. Deve-se colocar vinho em cerca de 1/3 do copo e apreciar o
vinho tanto ao nível dos olhos, como inclinado a 45 º sobre uma
superfície branca. Quanto à intensidade, um vinho pode ser mais ou menos
escuro, dependendo da uva que lhe deu origem, da sua idade e da
concentração de matéria sólida dissolvida no líquido (extrato).
A tonalidade de um vinho indica aproximadamente o seu grau de
maturidade. De modo geral, podemos dizer que um vinho branco fica mais
escuro com o envelhecimento e que os vinhos tintos ficam mais claros à
medida que o tempo passa.
É importante perceber, no caso de vinhos tintos e com o copo
inclinado, se existem diferenças de tonalidade entre o centro o copo e
as bordas, pois isto indica um grau de evolução e maturidade do vinho.
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Foto de divulgação |
Os vinhos brancos geralmente começam sua vida com a cor
amarelo - palha, evoluindo para amarelo - ouro e âmbar com o passar do
tempo. Claro que isto depende um pouco do tipo de uva com a qual o vinho
foi produzido. Existem certas variedades de uvas que dão origem a
vinhos mais escuros, mesmo jovens.
Os tintos, pela presença inicial do pigmento antociano, azul, são
de cor púrpura (roxo), quando jovens, evoluindo para vermelho - rubi,
vermelho - granada e âmbar com a maturidade. Brancos e tintos terminam sua
vida da mesma cor. Notem que dissemos terminam sua vida, pois o vinho,
como um ser vivo, tem uma vida finita. Daí vem o ensinamento que a velha
frase que diz ser um vinho quanto mais velho melhor, ser absolutamente
falsa e desprovida de qualquer fundamento. Cada vinho tem o seu melhor
momento de consumo e a análise visual nos dá boas indicações de quando
será este momento.
A seguir verifica-se se um vinho é límpido, ou seja, se não tem
partículas em suspensão e qual o seu grau de transparência, ou seja, o
quanto o vinho deixa passar de luz.
Uma leve agitação do vinho permitirá que o mesmo escorra pelas
paredes do copo, formando estruturas que são descritas como lágrimas ou
arcos. Isto se dá por um fenômeno físico-químico, pela diferença de
tensão superficial entre as diferentes substâncias do vinho. Quanto mais
lágrimas um vinho mostrar e quanto mais finas forem estas lágrimas,
maior será seu teor de álcool etílico (etanol). A velocidade com que as
lágrimas escorrem pela parede do copo indicam a densidade do vinho,
dependendo neste caso do extrato e da quantidade de glicerina.
2 - Análise Olfativa
Quando você parar de agitar o vinho, durante a queda das lágrimas,
é tempo de começar o próximo passo: a análise olfativa. Agitando o
vinho, este se vaporiza e na fina película do líquido que recobre a
parede interior do copo, este se evapora rapidamente. O resultado é uma
intensificação dos aromas que se tornarão mais concentrados se o copo
for mais estreito em sua porção superior. Deixe o vinho descansar por
alguns segundos, coloque seu nariz diretamente no copo e aspire.
O vinho tem aromas diversos do de uva. A análise de seus
componentes voláteis revela as mesmas moléculas que criam aromas que nos
são familiares. Eis alguns exemplos: rosa, cereja, ameixa, amora,
framboesa, maracujá, banana, pêssego, mel e baunilha. Até alguns aromas
pouco comuns, tais como: alcatrão, couro, tabaco e bacon defumado,
identificados por degustadores experientes, têm sua origem em
substâncias com afinidades químicas básicas.
É notória a dificuldade de se encontrar palavras adequadas para
descrever as complexas e efêmeras sensações olfativas que emanam de um
copo de vinho. Para aumentar esta dificuldade, deve-se ressaltar que o
aroma de um vinho está em constante evolução, mudando suas
características com rapidez desde o momento em que é colocado no copo.
Estes aromas também mudam se forem avaliados com o copo em repouso
ou logo após uma breve agitação. Desta forma, numa degustação, deve-se frequentemente reavaliar os aromas do vinho, captando-se estas mudanças.
Numa tentativa de facilitar a análise olfativa dos vinhos,
poderíamos dividir teoricamente os aromas em primários - seriam os
originários da própria uva, secundários - os originados do processo
fermentativo e do amadurecimento em madeira (carvalho) e terciários - os
originados do envelhecimento na garrafa e também conhecidos por
bouquet.
Segundo Peynaud, também podemos classificar os aromas em famílias, como se segue:
- Florais: rosas, violetas, jasmins, acácias, etc.
- Frutados: cassis, cerejas, ameixas, pêssegos, limões, laranjas, etc.
- Especiarias: pimenta, cravo, canela, alcaçuz, noz-moscada, etc.
- Animais: caça, carne, pêlo molhado, couro, etc.
- Vegetais: palha, capim, feno, cana de açúcar, cogumelos, chá, fumo, etc.
- Minerais: vulcânico, petróleo, pedra de isqueiro, etc.
- Balsâmicos: resinoso, pinho, eucalipto, baunilha, etc.
- Químicos: odores da fermentação, fermento de pão, enxofre, esmalte de unha, mercaptano (aliáceo), cola de aeromodelo, removedor de esmalte, etc.
- Empireumáticos: odores associados a calor e fogo, tais como o alcatrão, tostado, defumado, caramelo, café torrado, piche, etc.
- Outros aromas: chocolate, mel, caixa de charutos, "sous-bois", etc.
Da mesma forma que a cor, os aromas do vinho oferecem pistas de
seu caráter, origem e história. De uma maneira muito genérica e
simplista poderíamos dizer que:
- a) Nos vinhos jovens predominam traços de flores e frutas frescas ou vegetais, que evoluem com o envelhecimento do vinho para os aromas de frutas mais maduras, secas ou em geleia.
- b) Nos vinhos mais envelhecidos predominam aromas animais ou de decomposição.
- c) Nos vinhos brancos predominam aromas de flores brancas e amarelas ou de frutas brancas ou amarelas: maçã, pêra, abacaxi, melão, pêssego, maracujá, lírio, jasmim branco, etc.
- d) Nos vinhos tintos percebemos aromas de flores ou frutas vermelhas: rosa, violeta, morango, cereja, framboesa, amora, groselha.
- e) Os aromas típicos das diferentes variedades de uvas e porque não, até de algumas regiões vinícolas, podem ser reconhecidos em determinados vinhos.
A única maneira de se identificar com relativa facilidade os
complexos aromas que os vinhos apresentam é se reativar nossa imensa
capacidade de reconhecer os aromas existentes na natureza.
Em outras palavras, temos que formar nossa memória olfativa. Isto
se faz de forma sistemática e criteriosa, prestando atenção aos aromas
existentes na natureza e no ambiente, procurando guardá-los na memória.
Isto requer tempo e disciplina, além de muita dedicação no treino
das técnicas de degustação. Em se tratando de vinhos, acredito que não
será difícil treinarmos com afinco e porque não dizer, com grande
prazer.
3 - Análise Gustativa
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Foto de divulgação |
A última parte da avaliação sensorial do vinho diz respeito aos
aspectos gustativos. É importante ressaltar que a expressão gosto
abrange na verdade um conjunto de sensações: as gustativas, cutâneas e as olfativas retro-nasais.
As sensações gustativas revelam quatro sabores: doce, salgado,
ácido e amargo; a sensibilidade cutânea nos dá sensações táteis
(adstringência, aspereza e maciez ou untuosidade), térmicas e dolorosas,
que poderíamos definir como complementares; o olfato por sua vez
fornece o aroma (sensações odoríficas retro-nasais), que é o componente
mais importante do gosto, pois é o que mais influencia o caráter e
determina a qualidade.
Todas estas sensações são percebidas quase ao mesmo tempo, e por
isso muitas vezes é difícil analisá-las, separá-las e atribuí-las com
certeza a uma determinada modalidade sensorial.
Mais uma vez a técnica correta é essencial para uma completa
avaliação. Leve o copo à boca e coloque uma quantidade suficiente, ou
seja, o bastante para que o vinho possa percorrer toda a sua boca.
Mantenha o vinho dentro da boca por cerca de dez a quinze segundos,
fazendo-o manter contato com as diferentes partes da língua que
identificam as sensações gustativas.
Em outras palavras, deixe o vinho passear livremente pela boca,
observando atentamente as diferentes sensações em cada região da língua e
das mucosas.
Estas sensações referem-se aos sabores doce, salgado, ácido e amargo.
- Doce: no vinho, o sabor doce é provocado não só pelos açúcares residuais (frutose e glicose), mas também pelo álcool e pela glicerina (glicerol). Estas substâncias são melhor percebidas na ponta da língua e na fase de ataque (primeira fase da análise gustativa, logo que o vinho entra em contato com a boca) e são reconhecidas não apenas por sua doçura, mas também porque provocam sobre as mucosas da boca uma sensação tátil de maciez e untuosidade.
- Salgado: é um sabor raramente encontrado nos vinhos. É descrito, às vezes em vinhos de regiões muito próximas ao oceano, sendo o Jerez na Espanha o exemplo mais citado.
- Ácido: proveniente no caso dos vinhos, dos ácidos próprios da uva (tartárico, cítrico e málico) ou dos ácidos provenientes da fermentação alcoólica (succínico, láctico e acético). Estas substâncias são percebidas nas bordas laterais da língua, também na fase de ataque e reconhecidas pela salivação fluida e abundante que provocam.
- Amargo: os taninos podem provocar uma sensação de amargor discreto (em vinhos jovens de boa qualidade) que é melhor sentido no fundo da língua, ou mesmo nenhum amargor (se estes taninos forem muito finos e maduros). O amargor intenso e desagradável é, sempre que presente, um defeito ou uma doença do vinho.
A amplitude destas sensações gustativas pode ser aumentada através
de técnicas especiais, que são mais apropriadas para as salas de
degustação do que para ocasiões sociais. Inicialmente segure o vinho na
boca e, com os lábios entreabertos, inale uma pequena quantidade de ar.
Isto criará um turbilhonamento, que acelerará a vaporização do vinho,
intensificando os aromas. A seguir, mastigue o vinho vigorosamente para
retirar do mesmo cada sutil matiz de sabor.
Nesta fase, deve-se proceder a avaliação do chamado corpo do vinho,
que é a sensação de peso que o vinho aparenta ter na boca. Pode ser
definido ainda como o quão diferente da água o vinho em questão aparenta
ser. O corpo do vinho está diretamente relacionado com o seu teor
alcoólico - a quantidade de etanol do vinho e com o seu extrato - a
quantidade de material sólido diluído no vinho.
O álcool também poderá excitar os receptores térmicos da língua,
provocando uma falsa sensação de calor, frequentemente acompanhada de
uma ligeira ardência na mucosa bucal, além de provocar uma sensação de
doçura e maciez.
A concentração de sabores
A concentração de sabores
Um conceito fundamental que hoje, mais do que nunca, é muito
valorizado na degustação de um vinho diz respeito à concentração dos
aromas e sabores na boca. No jargão da degustação costuma-se referir a
este aspecto como o "meio de boca", que num bom vinho deve ser
preenchido pelos seus aromas e sabores de frutas. Aqui deve-se valorizar
a qualidade e a concentração do vinho, na verdade o quanto de prazer
que este vinho nos dá na boca. Cuidado no entanto para não subestimar os
vinhos mais sutis, que possuem aromas e sabores delicados. Não se deixe
impressionar pelos vinhos super-extraídos e frequentemente muito
alcoólicos, que costumam ser massivos e sem elegância.
A persistência aromática intensa e o aroma de boca
Denomina-se persistência aromática intensa a
duração dos aromas e dos sabores de um vinho na boca, antes que estes
diminuam de forma acentuada. Quanto mais prolongada for esta sensação,
mais valorizado será um vinho. Este tempo de duração, medido em
segundos, nos grandes vinhos pode ultrapassar a marca de um minuto.
Diz-se que um vinho tem curta persistência quando a duração for
menor que 4 segundos, média persistência quando o tempo for de 5 a 7
segundos e longa persistência quando o tempo for de 8 ou mais segundos.
Após a deglutição do vinho, expire lentamente através da boca e do
nariz. Isto fará com que os aromas atinjam o bulbo olfativo pela via
retro-nasal, que liga a garganta e o nariz, constituindo-se numa rota
alternativa para os aromas, prolongando seus efeitos por muito tempo
após o vinho ter sido ingerido.
É o que se costuma chamar de retro-olfato. Você descobrirá que quanto melhor for o vinho, seus aromas residuais serão mais complexos, profundos e duradouros.
Este é um momento sublime, de reflexão e comunhão, que só o vinho é
capaz de proporcionar. Um grande vinho costuma ter aromas no
retro-olfato diferentes dos aromas diretos. Quanto mais aromas novos
surgirem, mais valorizado deve ser o vinho.
Adstringência: a qualidade dos taninos
Adstringência: a qualidade dos taninos
Ainda no final de boca, perceba se existe algum sinal de
adstringência, que é a sensação de secura na boca. Esta adstringência é
provocada pelos taninos, que têm uma ação coagulante sobre a saliva.
Quanto mais grosseiro for o tanino, maior a sensação de adstringência
percebida na boca. Lembre-se que vinhos tintos jovens podem possuir
taninos mais agressivos, que variam de intensidade de acordo com a
variedade de uva. De qualquer forma, uma excessiva adstringência,
independente da idade ou da varietal usada no vinho é um sinal
preocupante de falta de delicadeza na vinificação ou de uvas colhidas
antes de atingir seu máximo grau de maturidade fisiológica. Isto se
traduz em taninos verdes e grosseiros, que muito provavelmente não
melhorarão no período de envelhecimento na garrafa, por mais longo que
seja o tempo de adega. Os grandes vinhos, mesmo jovens, possuem taninos
maduros e macios que jamais agridem a mucosa da boca ou causam
adstringência excessiva.
Ao final da avaliação gustativa, deveremos ainda correlacionar
todas as sensações percebidas, expressando um conceito de difícil
definição, que é o de equilíbrio e harmonia do vinho.
O equilíbrio do vinho
O equilíbrio do vinho
O equilíbrio gustativo é o resultado da complexa interação entre
as substâncias que formam a estrutura do vinho, isto é, álcool, taninos,
açúcares, extrato e ácidos. No caso dos vinhos brancos devemos analisar
a relação entre os açúcares (se o vinho for doce) e o álcool, que
conferem maciez ao vinho, em contraposição à acidez presente no mesmo.
No caso dos vinhos tintos, os elementos a serem apreciados são a acidez,
os taninos e o álcool. Quanto mais correta e equânime for a relação
entre os elementos, melhor será o equilíbrio e a harmonia do vinho
analisado.
Para finalizar, lembre-se de que a degustação de vinhos deve ser
encarada como uma grande diversão e acima de tudo, ser extremamente
agradável, constituindo-se numa inigualável atividade intelectual, que
deve ser praticada com grande paixão.
Fonte:Artwine
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