Artesanato atrai empreendedores, mas falta profissionalização
Setor que movimenta mais de R$ 50 bilhões ao ano ainda é informal e pouco lucrativo para artesãos
Sem entidades de classe e com o grande número de informais, o setor ainda é carente de estatísticas e muitos grandes artesãos ficam de fora do circuito comercial. É o caso de Solange Maria Gonçalo de Oliveira, de 59 anos, de Bauru, no interior de São Paulo. Solange produz um tipo raro de artesanato chamado renda turca, mas não consegue tirar das toalhas e vestidos infantis o sustento da família.
Fazer com que grandes empresas percebam o valor do artesanato brasileiro é um dos objetivos da Rede Asta, plataforma que reúne artesãos e facilita o acesso dos consumidores aos produtos. “A Asta é o maior exemplo de como um negócio de artesanato pode virar um negócio de sucesso”, diz Alice Freitas, cofundadora e diretora executiva da empresa. No ano passado, a empresa faturou R$ 2,2 milhões e venceu o Prêmio Empreendedor de Sucesso 2015, da Pequenas Empresas & Grandes Negócios, na categoria Negócio de Alto Impacto.
Para Afif, o caminho para virar um empreendedor bem sucedido é reconhecer as limitações do negócio. “A empresa artesanal nunca terá a mesma capacidade produtiva de uma indústria. Por isso, é importante investir em outros diferenciais para captar e crescer nesse mercado. Utilizar o design, a iconografia e a identidade cultural da região de origem é importante, pois esses são elementos que agregam valor ao produto artesanal”, diz.
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Foto do facebook - Mary Rute Dantas |
Cerâmicas, rendas, barro, palha, tecido, couro, madeira, papel ou
fibras naturais. De norte a sul do Brasil, materiais que parecem pouco
nobres ou até descartados são transformados manualmente e viram
artesanato...
O artesanato está presente como atividade econômica
em 78,6% dos municípios brasileiros, de acordo com a Pesquisa de
Informações Básicas Municipais (2014), do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
A mesma pesquisa aponta que hoje
cerca de 8,5 milhões de brasileiros garantem o sustento do lar desta
forma. Juntos, os empreendedores do artesanato movimentam mais de R$ 50
bilhões por ano.
Apesar da cifra bilionária, poucos artesãos
brasileiros viram de fato empreendedores. Ainda falta apoio em gestão
para profissionalizar a produção, aprender a precificar, atrair
compradores e divulgar o trabalho. “A figura jurídica do
microempreendedor individual (MEI) foi uma importante ferramenta para o
artesão, ao permitir a formalização por meio de um processo simplificado
e com baixo custo para esse empresário”, diz Guilherme Afif Domingos,
presidente do Sebrae, que neste ano investiu R$ 40 milhões no Centro
Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB), no centro do Rio
de Janeiro.
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Foto do facebook - Mary Rute Dantas |
Os MEIs no artesanato são empreendedores como Milena
Curado, da Cabocla Criações. Ela aprendeu a bordar aos sete anos, com a
avó. Quando a carreira deixou de ser atrativa, ela resolveu resgatar as
raízes e voltar às linhas e agulhas. Hoje, tem uma loja em Goiás Velho,
município turístico a 142 quilômetros de Goiânia. “Nossa cultura é muito
forte, eu comecei a representar nos bordados a iconografia local e caiu
no gosto do povo. O turista sempre quer uma coisa que representa a
cidade que está visitando”, conta.
Com peças que levam de três a
quatro dias para serem finalizadas, Milena encontrou uma barreira para
crescer na mão de obra. Foi então que ela resolveu buscar pessoas com
muito tempo, mas pouca oportunidade: os detentos. “A cadeia de Goiás
tinha uma cela feminina com cinco mulheres. Ensinei a bordar e elas
começaram a produzir. Algumas dessas mulheres estavam presas com os
maridos e elas os ensinaram a bordar, porque era uma oportunidade de
renda e de remissão de pena”, diz. Atualmente, 18 homens e uma mulher
participam do projeto.
Mensalmente, a Cabocla Criações produz, em
média, 150 peças. Ainda como MEI, Milena diz que o objetivo é continuar
pequeno. “Não quero expandir muito minha produção porque isso
descaracteriza um pouco este trabalho. Ainda faço questão de desenhar as
peças, defino as cores e penso uma a uma. Prefiro produzir pouco para
atender a demanda a fazer uma produção grande e perder a referência”,
diz.
Dificuldades para faturar
Sem entidades de classe e com o grande número de informais, o setor ainda é carente de estatísticas e muitos grandes artesãos ficam de fora do circuito comercial. É o caso de Solange Maria Gonçalo de Oliveira, de 59 anos, de Bauru, no interior de São Paulo. Solange produz um tipo raro de artesanato chamado renda turca, mas não consegue tirar das toalhas e vestidos infantis o sustento da família.
Ela leva em média cinco
dias para confeccionar um vestido para recém-nascido que custa R$ 120
reais. “Aprendi a fazer renda turca aos 14 anos com uma senhora de
origem nordestina que era minha vizinha. Era um trabalho raríssimo e
quase ninguém sabia fazer aquela renda. Com o passar dos anos, ficou um
pouco conhecida, mas ainda muito pouco”, diz Solange, que terá seu
trabalho representado no livro francês “1001 Dentellières”, com
trabalhos de rendeiras de 15 países.
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Foto do facebook - Mary Rute Dantas |
Para conseguir faturar mais, Solange enxerga potencial nas parcerias
com empresas, que poderiam licenciar os desenhos da renda e aplicar
sobre outros produtos, como azulejos e tecidos. “Fazer a renda turca é
algo demorado e de baixo valor se comparado a outros tipos de
artesanatos que são feitos muito mais rápido. Por isso, tenho tentado
que empresas se interessem pelo designer das estampas da renda turca. Já
escrevi para diversas empresas, mas até agora não houve interesse”,
diz.
Conectando artesãos e empresas
Fazer com que grandes empresas percebam o valor do artesanato brasileiro é um dos objetivos da Rede Asta, plataforma que reúne artesãos e facilita o acesso dos consumidores aos produtos. “A Asta é o maior exemplo de como um negócio de artesanato pode virar um negócio de sucesso”, diz Alice Freitas, cofundadora e diretora executiva da empresa. No ano passado, a empresa faturou R$ 2,2 milhões e venceu o Prêmio Empreendedor de Sucesso 2015, da Pequenas Empresas & Grandes Negócios, na categoria Negócio de Alto Impacto.
Renda turca, de Solange Oliveira: pouco reconhecimento (Foto: Divulgação) |
Grande
parte deste crescimento se deve ao trabalho de unir artesãos às
demandas do mercado corporativo. A empresa já conseguiu reunir 19 grupos
na produção de 30 mil peças para um único pedido. Além disso, a
plataforma transforma os resíduos das empresas em produtos exclusivos
que viram ferramentas de marketing.
A renda gerada para os grupos
no ano passado foi de R$ 917 mil. Atualmente, 974 artesãs distribuídas
em 59 grupos, de 10 estados brasileiros, oferecem itens de decoração e
moda feitos à mão na plataforma.
Para Alice, o principal problema do artesanato brasileiro é estar
sempre marginalizado. “Eles estão em feirinhas e não em lojas de
shopping. Temos um problema de margem, preço e produtividade. O artesão é
um ser criativo e não um ser gestor ou comercial. Ainda falta um pouco
da mente empreendedora, já que eles gostam de produzir, mas não de
vender”, diz Alice, que também comanda uma escola para ajudar a
profissionalizar os artesãos.
Como ganhar dinheiro com artesanato
Para Afif, o caminho para virar um empreendedor bem sucedido é reconhecer as limitações do negócio. “A empresa artesanal nunca terá a mesma capacidade produtiva de uma indústria. Por isso, é importante investir em outros diferenciais para captar e crescer nesse mercado. Utilizar o design, a iconografia e a identidade cultural da região de origem é importante, pois esses são elementos que agregam valor ao produto artesanal”, diz.
Denise Trevellin Forini, da Unidade de
Atendimento Setorial Comércio do Sebrae Nacional, diz que o primeiro
passo é se capacitar. “O artesão deve aprender principalmente gestão
financeira e precificação”, diz Denise. Outra dica é pesquisar e
procurar diferenciar seu produto. “O artesanato é caracterizado pela
criatividade. Conte uma história que ter a ver com a sua região. Isso
agrega valor e proporciona diferenciação de mercado”, diz. Investir na
divulgação em redes sociais e apostar nas vendas online também são
caminhos interessantes para o setor.
Fonte: PEGN
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