Mais 3,6 milhões de brasileiros entram na pobreza, mostra Pnad
A miséria aumentou 23,4% no Brasil. Hoje, a pobreza extrema representa 2,9% da população (Foto: ThinkStock) |
A recessão de 3,8% no ano passado jogou 3,6 milhões de brasileiros na
pobreza, condição de vida agora de 10% da população do país. Os
cálculos, inéditos, são do diretor da FGV Social, Marcelo Neri, com base
na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, que o
IBGE divulgou ontem...
A alta foi expressiva, de 19,33%, invertendo uma tendência que vinha
desde 2004, de queda média anual de 10% na pobreza. No total, há 20,5
milhões de pobres no Brasil. A miséria aumentou mais ainda: 23,4%,
arrastando à pobreza extrema mais 2,7 milhões de pessoas, o que
representa 2,9% da população.
O maior levantamento socioeconômico anual do país mostrou a primeira
queda na renda do trabalho em 11 anos, de 5%, perda que sobe a 7,2%
quando considerado o rendimento per capita das famílias. Houve ligeiro
recuo da desigualdade e mais 2,8 milhões de desempregados. Esse mesmo
retrato trouxe a boa notícia de mais crianças de 4 a 5 anos na escola
(84,3%), mas uma estagnação na frequência dos adolescentes em 85% da
população nessa faixa etária.
O acesso ao saneamento básico
acelerou levemente. Porém, mais de um terço dos lares continua sem rede
coletora de esgoto. Enquanto o país cruzou a barreira de 100 milhões de
internautas, o número de casas com computadores caiu pela primeira vez
desde 2004. Nas características da população, pela primeira vez o número
de brasileiros pardos se igualou ao dos que se declaram brancos.
RETRATO ANTECIPA 2016 DE NÚMEROS PIORES
O
retrato da pobreza e da desigualdade deve piorar quando os números de
2016 forem divulgados, segundo Neri. A recessão não deu trégua e o PIB
deve cair mais 3,4%. Os dados já mostram que a desigualdade, uma das
maiores mazelas brasileiras, intensificando o aumento da pobreza:
—
O ajuste continuará em 2016, afetando também o indicador de
desigualdade, depois de 14 anos de redução contínua. Em 2016, vamos
perder nas duas frentes.
A queda de 10,15% do rendimento dos 10%
mais pobres explica esse aumento na pobreza e na miséria. A renda do
trabalho minguou e o Bolsa Família, destinado a essa fatia da população,
não teve reajuste em 2015, ano em que a inflação foi de 10,67% —
corroendo os ganhos principalmente de quem tem menos.
A crise,
porém, não poupou ninguém. Todas as faixas de renda tiveram perdas
significativas. Embora na base da pirâmide a perda tenha sido maior, o
recuo foi menor entre a metade mais pobre da população do que entre os
50% mais ricos, o que levou à leve queda da desigualdade, num processo
que vem desde 2001.
O índice de Gini (quanto mais perto de 1, mais
concentrada é a renda) caiu de 0,490 para 0,485 quando considerado o
rendimento do trabalho. Apesar da aparente boa notícia, Maria Lúcia
Vieira, gerente da Pnad, explica que as razões não são positivas, pois
há perda de renda em todos os grupos:
— A redução da concentração
de rendimentos é boa quando há uma situação mais homogênea para todos.
Quando todo mundo perde, fica pior para todo mundo. Caiu, mas não
melhorou a situação das pessoas.
Para o coordenador do Centro de
Políticas Públicas do Insper, Naércio Menezes Filho, o salário mínimo
explica essa queda na desigualdade:
— Mesmo com a crise, o salário
mínimo continuou aumentando de acordo com a inflação. Esse aumento não
alcança os mais pobres, mas o meio da pirâmide de renda, no mercado de
trabalho especialmente. Mesmo assim, essa queda foi um pouco menor do
que na recessão de 1999, quando a renda caiu 9%. Nessa recessão, está
caindo menos que o PIB per capita (queda de 4,6%), apesar do aumento do
desemprego ter sido maior.
A realidade dentro dos lares reflete
esse retrocesso social, que se estende a 2016. Arroz, farinha, ovo, café
e mortadela é a dieta da família de Maria Luzia dos Santos Rafael, de
42 anos. Morando no bairro Bom Jardim, em Fortaleza, em uma casa com
três cômodos com as duas filhas, genro e três netas, ela é a provedora
da família. Aposentada por invalidez, recebe um salário mínimo. Paga o
aluguel de R$ 250, luz (R$ 60) e os outros gastos da família.
— E assim que a gente vai vivendo. Eu me aposentei cedo, dentre as doenças que tenho coloque aí o HIV — lamenta Luzia.
As
filhas e o genro não contam com qualquer benefício social, apenas com a
solidariedade de Luzia. Francisco André Barbosa do Nascimento, de 37
anos, está desempregado. Ele conta que há meses procura qualquer
ocupação, mas nada tem aparecido. Nascimento é um dos 10 milhões de
desocupados que a Pnad mostrou. A taxa de desocupação subiu de 6,9% para
9,6% no ano passado:
— Eu faço tudo, sou vendedor, servente,
trabalho com qualquer serviço, mas parece que tudo sumiu, ninguém está
chamando para nada. Assim fica difícil, a gente vive só com a ajuda de
Deus e com a sensibilidade de algumas pessoas que nos ajudam.
Na
casa da família de Luzia, falta quase tudo. A casa é de chão batido e
pouca luz, a água não é encanada, televisão não existe. De
eletrodomésticos, só fogão e geladeira. No quarto, uma cama e a rede
para todos.
A forte queda de renda dos mais pobres é um alerta
para a necessidade de aumento dos programas sociais, diz Marcelo
Medeiros, professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mesmo em um contexto de
ajuste, ele lembra que o gasto com os mais pobres é pequeno diante de
outras despesas do governo, como a Previdência, e defende prioridade
para a questão.
— Se temos uma queda desta magnitude para os mais
pobres, é preciso aumentar os programas sociais para criar uma rede de
proteção. A hora não é de fazer economia com os mais pobres. Economizar
com pobres é economizar migalhas, o gasto mais pesado no Brasil é com os
mais ricos. Se isso não for feito, haverá forte pressão de aumento da
pobreza e da população de baixa renda — afirma o professor Medeiros.
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