Na crise, surge até palestra para ensinar a ser "motorista de aplicativo"
Neil Hall/Illustration/Reuters
Vale deixar de ser motorista comum? |
Em tempos de crise e alta no índice oficial de desemprego,
ganha adeptos a opção de ser "motorista de aplicativo" para completar
ou garantir renda. Surgem também ocupações acessórias: já tem até
palestra com o objetivo de orientar "motoristas de aplicativos" sobre
vantagens, desvantagens e, principalmente, sobre como garantir alguma
renda no fim do mês...
Ministrada pelo consultor de finanças João
Alfredo Marum, a "Palestra: Motorista de aplicativo" cobra R$ 10 de
inscrição, tem três módulos e usa o termo "motoristas de aplicativos"
para se referir ao público-alvo: pessoas que apostam na tarefa de
motorista autônomo de serviços como Uber, Cabify, WillGo e outros
aplicativos de transporte privado -- ou mesmo em aplicativos de serviço
de táxi (ainda que esses sejam mais restritivos) -- para reforçar a
renda.
Além de não terem as mesmas exigências do serviço de táxi
padrão (treinamentos, documentação e alvará, placa específica, entre
outros), os serviços de aplicativos seduzem com a ideia de clientela
garantida, pelo número crescente de usuários.
Mas vale realmente a pena "virar a chave" de motorista comum para motorista de aplicativo?
"Em primeiro lugar, quem escolhe trabalhar como motorista autônomo não
pode pensar como profissional assalariado, que cumpre seu turno e vai
para casa descansar, com o salário garantido, afirma Marum.
Apesar das vantagens aparentes, Uber e similares cobram seu preço dos
motoristas. Além de o profissional ter de cobrar menos do cliente por
corridas, ele também precisa ralar um bom tanto para pagar pelo uso do
aplicativo -- no caso do Uber, a taxa é de 25% sobre todo o faturamento
na categoria X, a que aceita carros mais simples,
sobretudo hatches compactos, e tem o preço (ainda) mais acessível para
os clientes.
Isso sem contar os custos comuns a taxistas e outros motoristas profissionais, com impostos, combustível, manutenção, prestação ou aluguel do carro utilizado para trabalhar... e as possíveis multas.
Isso sem contar os custos comuns a taxistas e outros motoristas profissionais, com impostos, combustível, manutenção, prestação ou aluguel do carro utilizado para trabalhar... e as possíveis multas.
"É preciso pensar como empresário, levando em conta o
investimento inicial, a administração do tempo de trabalho e o controle
de custos, que inclui riscos, como multas e danos inesperados
ao veículo. Essa conta precisa fechar para se ter ganho real", aponta
Marum.
Segundo a comunicação do Uber, o funcionamento do
aplicativo "permite que motoristas parceiros realizem mais viagens por
hora e fiquem menos tempo rodando entre uma viagem e outra. Isso
combinado proporciona aumento dos rendimentos".
Nossa reportagem também ouviu da empresa que "no próprio aplicativo e
em tempo real, os motoristas parceiros têm acesso às regiões com alta
demanda. Quando com o preço dinâmico está ativo, viagens iniciadas
nessas regiões podem aumentar os ganhos. Por fim, compartilhamos
semanalmente os dias e horários com mais demanda, para facilitar o
planejamento dos motoristas parceiros que quiserem gerar mais renda".
Estimativa de custos
Fiat Uno 3-cilindros 2016/17 financiado: R$ 41.800
Prestação do carro: R$51,42/dia (entrada 20%+ 36 x R$ 1337)
Consumo médio: 14 km/litro (urbano)
Custo combustível: R$ 55/ dia
Percurso diário: 250 km
Custo manutenção: R$25,39/ dia
IPVA: R$ 5,36/dia
Seguro: R$ 6,41/dia
Outras despesas diárias com o carro: R$ 143,58
Faturamento bruto diário: R$ 300
Renda líquida: R$ 81,42/dia, R$ 2116,92/ mês
Taxa de uso de aplicativo (25%): R$75
Prestação do carro: R$51,42/dia (entrada 20%+ 36 x R$ 1337)
Consumo médio: 14 km/litro (urbano)
Custo combustível: R$ 55/ dia
Percurso diário: 250 km
Custo manutenção: R$25,39/ dia
IPVA: R$ 5,36/dia
Seguro: R$ 6,41/dia
Outras despesas diárias com o carro: R$ 143,58
Faturamento bruto diário: R$ 300
Renda líquida: R$ 81,42/dia, R$ 2116,92/ mês
Taxa de uso de aplicativo (25%): R$75
Observação: eventuais multas não inclusas Cálculo: João Alfredo Marum (palestraparamotoristas@gmail.com)
Faça as contas
O planejamento começa justamente na escolha do veículo a ser utilizado
como ferramenta de trabalho: leve em conta o consumo de combustível, o
preço das peças e das revisões, gastos com seguro e valor de revenda do
modelo. Vale lembrar que, no caso do Uber, o carro tem de ter até cinco
anos de uso na categoria X.
É altamente recomendável fazer um
levantamento preliminar, colocando tudo na planilha: no final de três
anos, o custo total pode corresponder a 80% do valor de um carro novo.
Segundo Marum, financiar um Fiat Uno 2017 1.0 (valor estimado de R$
41,8 mil, entrada de 20%) e se cadastrar como motorista do Uber X vai
exigir do profissional uma jornada de 26 dias de trabalho por mês,
rodando cerca de 250 km por dia, para obter um faturamento bruto diário
de aproximadamente R$ 300.
É com esta conta que se garantem R$
2,1 mil livres ao final do mês, já descontados prestação, seguro,
manutenção, combustível, IPVA e taxa de 25% de uso do aplicativo. São R$
81,42 líquidos por dia, que pode ser pouco para alguns: na frieza dos
números, a vida de motorista de aplicativo pode não ser tão fácil assim.
Nem sempre vale
Marcos Antônio Neves, 54 anos e aposentado, foi à palestra em busca de
mais conhecimento para fazer do trabalho como motorista autônomo algo
realmente rentável. Usando um Toyota Etios 2013 emprestado do cunhado,
ele já trabalhou por alguns meses como motorista do Uber X.
"Para ganhar dinheiro, tem de ralar mesmo, dirigir de 12 a 14 horas por
dia. Sempre procurei concentrar as corridas nas áreas de Perdizes e
Consolação [bairros da Zona Oeste e Centro da capital paulista],
devido à alta demanda. Faturava cerca de R$ 1,2 mil brutos por semana,
quando o Uber já estava regulamentado na cidade", afirmou.
Com Condutax na mão, Neves poderia trabalhar como taxista, mas desistiu
porque "ponto de táxi custa uma fortuna" e tem clientela menos
qualificada que a do Uber. No fim, pode deixar também o famoso
aplicativo de lado: o aposentado cogita até desistir do transporte de
passageiros e comprar uma van para trabalhar como fretista ou
entregador. Tudo vai depender das contas.
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